quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Reforma inoportuna e equivocada


Paulo Renato Souza
Na semana passada a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o texto da reforma tributária que deverá ser apreciado pelo plenário. Muitos celebraram, pois supostamente teríamos uma simplificação em nosso sistema de arrecadação de impostos e redução da elevada carga tributária brasileira. Nada mais equivocado. Há, de fato, uma pequena simplificação, pela fusão de três contribuições num novo imposto federal, mas a reforma não reduz a carga tributária, aumenta alguns impostos em áreas estratégicas, prejudica especialmente os Estados e impõe enormes perdas para a União. Como um pano de fundo trágico, torna constitucionais mecanismos que deveriam ser objeto de leis ordinárias, decretos ou mesmo regulamentos, tais como o quórum da deliberação de reuniões de secretários estaduais de Fazenda, alíquotas de royalties sobre recursos minerais ou a repartição de receitas de impostos entre os três níveis federativos, detalhada no nível de centésimos de pontos de porcentagem. Para acrescentar ofensa à injúria, congela-se na Constituição para o futuro a estrutura distributiva de impostos observada num único ano (2007).
A primeira questão é a oportunidade da reforma. Quando ela foi enviada ao Congresso Nacional, o mundo era outro. O País vinha crescendo na onda expansiva da economia internacional havia vários anos e as receitas públicas aumentavam a taxas superiores às da economia. Era, sem dúvida, um cenário adequado para rediscutir o sistema tributário. Passados os quase dez meses desde o início da sua tramitação, o ambiente econômico é radicalmente diverso, com o advento da maior crise econômica e financeira mundial desde 1929.
Como já mostrei neste mesmo Espaço Aberto, os efeitos negativos mais importantes da crise se abaterão sobre a economia brasileira pela inexorável redução da demanda internacional por nossos produtos de exportação. A partir do próximo ano observaremos suas conseqüências sobre a produção e a renda nacionais e, portanto, sobre a arrecadação pública, em especial da União e dos Estados. Nesse sentido, seria evidentemente prudente que postergássemos a análise da matéria pelo menos até o primeiro semestre do próximo ano, quando teremos melhores condições de avaliar a natureza dos problemas de médio e longo prazos que a crise provocará na economia brasileira. Nessas circunstâncias, aprovar agora mudanças significativas em nosso sistema tributário é, no mínimo, temerário.
Em relação à crise econômica, o inacreditável é que a proposta torna constitucional um aumento significativo de tributação sobre os minerais, fixando o cálculo dos royalties sobre o faturamento bruto e com uma alíquota que passa de 2% para 3%. Ou seja, estamos reduzindo nossa capacidade de competição no mercado internacional, comprometendo as exportações e o emprego no País. Isso sem falar no aumento de preços de insumos que estão presentes em toda a cadeia produtiva industrial e da construção civil. É difícil imaginar maior desestímulo à economia nas vésperas de uma recessão mundial!
A proposta sinaliza com desonerações nos investimentos, nas exportações e nas contribuições patronais para a Previdência. A aparente redução de impostos é totalmente fictícia, pois transfere os encargos correspondentes para a União, que deverá buscar financiar-se com mais arrecadação ou endividamento. Criar novos encargos para a “viúva” federal sem prover os meios financeiros adequados parece ter sido a solução mágica encontrada pelo relator para satisfazer às demandas setoriais ou regionais que recebeu e para supostamente compensar os Estados e municípios pelas enormes perdas que o projeto impõe desde a sua concepção original. Assim sendo, não haverá nenhuma redução da carga tributária com a implantação da reforma. Ao contrário, o projeto propõe eliminar a cláusula pétrea da anterioridade fiscal nos três primeiros anos para poder reajustar alíquotas e traz embutida uma suposição de aumento da carga ao criar um “gatilho” quando o excesso de arrecadação superar os 5% em determinados impostos.
A solução da chamada “guerra fiscal” é outra das falácias do projeto, pois convalida constitucionalmente todas as irregularidades até agora cometidas e, até mesmo, fixa um prazo para que outras sejam praticadas! Algo inédito na história constitucional é a inclusão de um conselho de secretários estaduais, para o qual se define, inclusive, um quórum de deliberação, que obviamente procura isolar os Estados produtores mais importantes, estimulando uma nefasta disputa regional, agora com foro constitucional. Além disso, transfere para esse conselho prerrogativas de elaboração legislativa que hoje pertencem ao Congresso Nacional e às Assembléias Legislativas.
Uma estratégia adotada pelo relator foi propor grande diluição dos seus efeitos ao longo do tempo para minorar as resistências dos potenciais perdedores, deixando o problema para os futuros governantes. Essa alternativa tem o efeito colateral de dificultar, se não inviabilizar, uma futura reforma mais consistente e abrangente, pois, mesmo que se reúnam condições políticas para tanto, estaremos amarrados a uma interminável transição.
Caberá agora ao plenário da Câmara analisar a proposta em dois turnos, com quórum qualificado. Será a oportunidade para eliminar pontualmente alguns de seus problemas, ainda que seja impossível corrigir seus maiores defeitos. Uma questão importante, contudo, dependerá do presidente da Casa e do colégio de líderes e se refere à oportunidade de apreciar a matéria. Dariam eles prova de maturidade e compromisso com o País se postergassem esse assunto para o primeiro semestre de 2009.
Paulo Renato Souza, deputado federal por São Paulo, foi ministro da Educação no governo FHC, reitor da Unicamp e secretário de Educação no governo Montoro. E-mail: dep.paulorenatosouza@camara.gov.br. Site: www.paulorenatosouza.com.br
O Estado de S.Paulo

Nenhum comentário: