sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Reforma tributária não é moeda de troca política

O governo parece conformado: sabe que no momento não tem os 49 votos necessários entre os 81 senadores para aprovar a renovação da CPMF e, portanto, não adianta ter pressa. Algumas lideranças da base aliada, inclusive, dão como certo a não aprovação da emenda neste ano, o que implicaria a perda de, no mínimo, três meses de arrecadação. O cenário é tão desfavorável às hostes oficiais que as duas principais bancadas de oposição reuniram-se ontem para anunciar que contam com 33 votos seguros contra a reforma. A confiança era tanta que as duas bancadas abandonaram os receios e comunicaram a mudança de estratégia de obstruir as votações em plenário, liberando a pauta (trancada por duas medidas provisórias sem votação) para acelerar a tramitação da emenda. É fato que PSDB e DEM têm apenas 27 senadores nas suas respectivas bancadas, mas contam com dissidentes, especialmente no PMDB, que não escondem essa condição. Se o governo não consegue ter força para impedir tais demonstrações, é porque o custo da solidariedade da bancada é muito alto, ou não há condições políticas de atender a todas as reivindicações dos aliados. Neste contexto o governo preferiu enfrentar a situação com novas armas e, ato contínuo, toda a negociação política levada com a oposição por meses foi por terra. E a primeira vítima neste processo foi a palavra empenhada nessas negociações, inclusive a do presidente da República. Quando o cenário ainda não era tão complicado para a continuidade da contribuição, o governo prometeu o envio de um novo projeto de reforma tributária. Na semana passada, em encontro com empresários, o presidente Lula reafirmou a oferta e se comprometeu com o envio da reforma até o dia 30 de novembro. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, colocou a oferta na mesa de negociação da CPMF. Quando o quadro político se agravou de modo tão intenso, a própria base aliada pediu que o governo retirasse a proposta de reforma tributária da mesa de negociação porque era "inadequado" apresentar tema tão "forte", capaz de despertar tanta celeuma em um momento de negociação tão complicado como o da CPMF. A base aliada pedir isso é compreensível; o governo, incluindo a palavra empenhada do presidente, conceder é difícil de aceitar. Nesse processo a senadora Ideli Salvatti, líder do governo no Senado, perdeu as medidas do bom senso e declarou que a reforma tributária, "obviamente, terá de levar em consideração se será feita com ou sem CPMF". Ou seja, o governo age, em um assunto tão sério como esse, ao sabor dos ventos, sem planos e políticas definidas. A confissão, se não é eivada de cinismo, é de grande inabilidade política. Esse é o ponto. Reforma tributária não é um mero remendo, ou moeda de troca nos balcões da política rasteira e, portanto, não depende de renovação, ou não, da CPMF. A primeira proposta de reforma tributária que o presidente Lula enviou ao Congresso foi em abril de 2003 e tamanha foi a resistência dos governadores que o Planalto aceitou aprová-la apenas em alguns itens, os menos polêmicos. Era óbvio, no entanto, que o País ansiava por uma proposta que racionalizasse a carga tributária da pessoa física e desonerasse o custo dos impostos sobre a produção. O governo apregoava isso o tempo todo, mas não enviava nova proposta para o Congresso. A maior dificuldade era disciplinar a cobrança do ICMS, contendo o número de alíquotas e reduzindo a carga tributária das empresas, em especial referente à folha de pagamento. Com a desculpa que não aceitaria uma reforma "fatiada", o governo brecou toda iniciativa dos parlamentares para votar a reforma possível, e não a ideal. No início deste ano, o ministro Mantega voltou a fazer promessas sobre reforma tributária, reafirmando que o presidente o autorizara a mandar uma proposta de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que simplificaria o sistema e combateria a guerra fiscal. Sempre adiada, essa proposta não chegou ao Congresso e a última data marcada para o envio foi 30 de novembro, que já foi desmentida. O governo não pode alegar que não precisa de reforma tributária. Ontem, falando em um seminário sobre economia em São Paulo, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, afirmou que a perdas de arrecadação dos estados com a guerra fiscal somam R$ 25 bilhões, ou seja, mais de 60% do que o governo arrecada cobrando CPMF. Em outras palavras: se cumprisse sua palavra e fizesse a reforma tributária, o governo não precisaria atolar-se em duras negociações pata manter a contribuição. O governo não cumpre esse roteiro porque teme perder arrecadação se impor a reforma modernizadora dos tributos. Nesse quadro, não há dúvida de que a real função do Senado é rejeitar a CPMF. Com isso, talvez, o governo leve a sério a necessidade de reformar o modo como esfola os brasileiros impondo uma insustentável carga tributária. Gazeta Mercantil

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