domingo, 9 de setembro de 2007

O ESTADO FISCAL

Não existe arte que um governo aprenda do outro com maior rapidez do que a de extrair dinheiro do bolso da população

Adam Smith.



O dever fundamental de se pagar tributos tem um conceito aproximativo, devido às mudanças proporcionadas pela sociedade, adicionando a cada período, novos setores englobados em suas categorias. O Prof. Nabais (1998, p.42), podem ser ditos, portanto como aqueles deveres, que devido à sua importância para a comunidade podem ser exigidos de imediato pelo Estado e são assim, porque decorrem da posição fundamental do indivíduo face à sociedade.

A partir do instante que a contribuição ao soberano deixou de ser doação voluntária e passou a ser imposição, estava inaugurada a obrigação de pagar tributos. O ato de pagar tributos nunca foi agradável e aceito de bom grado pela sociedade e sempre foi objeto de grandes tensões sociais, e, em muitos casos, de revoltas.

Dário I, denominado de O Grande, rei da Pérsia de meados de 521 a.C. a 486 a.C. subiu ao trono com um golpe que afastou o usurpador Esmérdis. Depois de restabelecer a ordem no império, empreendeu uma importante reforma administrativa. Dividiu seus domínios em vinte satrapias, unidades administrativas e jurídicas com governo autônomo, fixando para cada uma sua carga de tributos que deveriam ser pagos a cada ano. Os sátrapas, ou governadores, eram os únicos responsáveis perante o soberano e recolhiam aos cofres do governo uma contribuição fixa.
Figueiredo (2002, p. 42), explana que o conselho de Cristo para que se pagasse a César o que era de César, ainda que dotado de extremo bom censo para a oportunidade, não chegou a satisfazer a maioria dos seus contemporâneos e seu real sentido vem sendo perscrutado através dos séculos:
Foram enviados a Jesus alguns fariseus e partidários de Herodes, herodianos, para O surpreenderem no que dissesse.

Aproximaram-se e disseram: «Mestre, sabemos que és sincero e não Te deixas influenciar por ninguém, pois não fazes acepção de pessoas, mas ensinas com sinceridade o caminho de Deus. É lícito ou não pagar o tributo a César? Devemos pagar ou não?». Mas Jesus, conhecendo a sua hipocrisia, respondeu-lhes: «Porque Me armais esse laço? Trazei-Me um denário para Eu ver». Eles trouxeram-no e Jesus perguntou-lhes: «De quem é esta imagem e esta inscrição?». Eles responderam: «De César». Então Jesus disse-lhes: «Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus».

A saída de Jesus Cristo foi genial, pois, condena todo prejuízo material e moral que se possa causar a outrem, toda postergação de seus interesses. Prescreve o respeito aos direitos de cada um, como cada um deseja que se respeitem os seus.

A luta travada por alguns povos contra a elevação exacerbada da carga tributária resultou em revoluções que proporcionaram mudanças no contexto social, e muitas delas, tiveram como causa central a insatisfação pela imposição de pesada carga tributária, tornando o crescimento dos povos extremamente doloroso pela tempestade de tributos decorrentes.

O Professor Huck (1988, p.2), relata sobre a relevância da questão social relativa à cobrança de tributos e da reação social à referida cobrança, sobretudo quando se pratica a injustiça tributária ou a inobservância aos limites da tributação em relação à capacidade de recepção da população, ou por se ter um sistema tributário eivado de imperfeições e assimetrias, em que a sociedade arca com carga tributária extremamente elevada e que, nesta situação, e, em casos de arrogância e insensibilidade política, acabam por derrotar as estruturas governamentais e a sociedade, massacrando a proposição e retirando aquilo que de certo modo teria de mais nocivo:

Partindo do arbítrio do soberano, que impunha a sua vontade e seu tributo e passando pelas conquistas da Magna Carta, que limitou a vontade do rei às disposições do Parlamento, o recolhimento do tributo jamais foi aceito passivamente pelo contribuinte e nunca deixou de ser imposto. Para não pagar impostos arbitrários, revoltaram-se os Ingleses; a Revolução Francesa resultou do inconformismo da burguesia contra o sistema de tributos com uma única mão de direção, isto é, do bolso do povo para o tesouro da monarquia; a Independência dos Estados Unidos da América teve como estopim a revolta contra um tributo, assim como a derrama, no Brasil, deu causa à Inconfidência Mineira. São momentos da História, tomados quase ao acaso, mas que bem demonstram a irresignação do contribuinte contra os tributos, particularmente os injustos e os iníquos.

Na Inglaterra, João I, também conhecido por João Sem Terra (Lackland em inglês) viveu forte conflito com o parlamento. Mesmo assim, o rei procurou reorganizar as finanças do seu país, debilitadas depois do resgate pago pela libertação de Ricardo, instituiu novo imposto sobre os nobres que falhavam na sua obrigação de fornecer soldados e material militar à Coroa.

Muitos autores mencionam a Magna Carta de 1215[1], como o marco inicial de formação da Constituição Inglesa. A Magna Carta não é a primeira Constituição, mas nela podemos encontrar os elementos essenciais do constitucionalismo moderno: limitação do poder do Estado, declaração de direitos da pessoa e vedação ao poder de tributar sem a existência de lei. De forma que o Estado não podia lançar taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino (commue concilium regni). A partir de então nascia a democracia inglesa, que tempos depois serviria de modelo para vários povos, sobretudo, de como enfrentar as questões de ordem tributária.

Segundo Massie (1981, p. 401), apud Aércio S. Cunha, em os impostos e a história, UNB, 2002:
Na Rússia de Pedro, o grande, a maior parte dos negócios do governo de Pedro naqueles anos dizia respeito a guerra e impostos. Os decretos de Pedro, como suas constantes viagens pelo país, quase invariavelmente lidava com a conscrição de recrutas e a coleta de impostos. Era insaciável a demanda do Tsar por dinheiro. Em uma tentativa de descobrir novas demandas por receitas, Pedro criou em 1708 um serviço de oficiais de receitas, homens cujo dever era arquitetar novas maneiras de tributar a população. Chamados pelo nome estrangeiro de fiscais, eles eram comandados a “ sentar e fazer receitas para o Soberano Senhor”. O líder e mais bem sucedido foi Aléxis Kurbatov, um antigo servo de Boris Sheremetev (comandante da cavalaria do Tsar) que já havia atraído a atenção de Pedro com sua proposta de que selos emitidos pelo governo fossem utilizados em todos os documentos legais.

Havia um imposto sobre nascimentos, sobre casamentos, sobre funerais e sobre o registro de testamentos. Havia um imposto sobre trigo e sobre sebo. Cavalos eram tributados. Havia um imposto sobre chapéus e sobre o uso de botas. O imposto sobre barba foi sistematizado e cobrado, ao que se conseguiu um imposto sobre bigodes. Havia um imposto sobre camas, um imposto sobre banhos, um imposto sobre hospedagens, um imposto sobre chaminés dos fogões e um imposto sobre lenha que nestes se queimavam. Nozes, melões pepinos eram tributados. Havia imposto até mesmo sobre a água de beber.

E para fazerem os russos pagarem só havia uma saída: a polícia secreta. Esta foi de extrema eficácia. Tão eficaz que deixou ressentimentos que perduram até os dias correntes.


Terminada a guerra dos sete anos nos Estados Unidos (1756-1763), iniciou-se um cenário de crescente enfrentamento sobre as colônias inglesas da América. De um lado, os agentes da metrópole querendo aumentar a carga tributária e fixar mais impostos, de outro, os colonos indignados por serem considerados como súditos de segunda categoria, pois os tributos exigidos não contavam com a aquiescência deles.

Partindo dessa premissa, em 13 de dezembro de 1773, os colonos disfarçados de índios invadiram os barcos da Companhia Inglesa das Índias, ancorados no porto, jogando todos os fardos de chá no mar. O episódio ficou conhecido como a festa do chá de Boston. Houve violentos tiroteios entre os pelotões ingleses e os "minute men", as milícias dos colonos, nos lugarejos de Lexington e Concord, no Massachusetts, em abril de 1775.

Do incidente, resultou a morte de 273 soldados britânicos e 93 colonos, e que serviu como faísca para o rastilho da Revolução Americana de 1776.
A Inglaterra reagiu de imediato com um conjunto de leis que os americanos chamaram de "Leis Intoleráveis" (1774): fechamento do porto de Boston, indenização à companhia prejudicada e o julgamento dos envolvidos, na Inglaterra. [2]

Na França, em 1789, os impostos variavam de província para província e cada uma delas mantinha suas próprias instituições e leis. Nesse período, existiam na França várias organizações judiciais, além dos tribunais reais, aqueles que pertenciam aos senhores de terra, às municipalidades e à igreja.

A desorganização fiscal e os gastos supérfluos ocasionaram desastrosas conseqüências para as finanças. O orçamento era constantemente deficitário e os impostos cobrados de maneira arbitrária, razão maior para a elevação do nível de insatisfação que levou a população às ruas com o objetivo de tomar o poder e arrancar do governo a monarquia comandada pelo rei Luis XVI, materializando uma das mais transformadoras revoluções do mundo: a Revolução Francesa. A família real foi capturada enquanto tentava fugir do país. Presos, os integrantes da monarquia, entre eles o rei Luis XVI e sua esposa Maria Antonieta que foram guilhotinados em 1793.

É importante neste trabalho fazer menção sobra atividade financeira do Estado moderno, que é determinada pela sua capacidade de gerir recursos financeiros (moedas e similares). Torres (2005, p. 3), diz que: a atividade financeira é o conjunto de ações do Estado para a obtenção da receita e a realização dos gastos para o atendimento das necessidades públicas.

A predominância da atividade do Estado ocorre no sentido de buscar e gerir arrecadação. Portanto, o Estado Fiscal é aquele que sua maior fatia de receita é oriunda da tributação. Lembrando que esse modelo de Estado surgiu com o iluminismo, no momento em que o Estado começou a se afastar do controle dos meios de produção como a agricultura e a pecuária. Modernamente, a maioria dos estados é de natureza fiscal, estando incluído neste contexto o Estado brasileiro.

São poucos os estados que podem dispensar seus residentes do pagamento de tributos, pois sua participação na economia já agregam as receitas necessárias e suficientes à manutenção das atividades estatais.

1.1 O caráter fiscal do Estado brasileiro

No Brasil, a situação não foi diferente. Para o governo português, o ouro parecia inesgotável nas minas gerais. Cada proprietário era obrigado a pagar um quinto sobre o ouro explorado. A situação começou a ficar insuportável a partir de 1788, com a chegada de um novo governador, o Visconde de Barbacena, que trazia ordens do reino para realizar uma derrama, isto é, cobrar mais de 5.000 quilos de ouro, dando causa a uma das mais importantes revoluções do país, a Inconfidência Mineira.

Apesar de descoberto em 21 de abril de 1500, o início da colonização só ocorreu a partir de 1530, quando Coroa Portuguesa viu ameaçada sua nova posse territorial.

Empobrecido, sem condições de organizar administrativamente as possessões conquistadas na Ásia, África e na América, de forma a assegurar o desenvolvimento econômico às novas unidades, restava, tão somente suas explorações, de forma que tirasse o maior proveito imediato, com o mínimo possível de investimento.

Mesmo iniciando a colonização brasileira, o objetivo maior da Coroa não era assegurar o domínio da terra conquistada, mas garantir novas fontes de receitas que permitissem ao Estado Português reduzir o seu crescente endividamento.

Como a exploração direta era de extrema dificuldade, tornando-se inviável, decidiu a Coroa Portuguesa pela concessão do direito de exploração da colônia mediante recepção de parte dos lucros auferidos, principalmente sobre o pau-brasil, produto de grande valor econômico na Europa, para a obtenção de corantes.

Nesse tom, argumenta o Professor Moraes (2000, p.108): os interessados deviam atender a determinadas exigências, entre elas, pagar o quinto do pau-brasil, primeiro imposto a ser cobrado na colônia.

De modo geral, o quinto era pago com o próprio produto, praticamente inexistia a circulação de moeda na colônia. Com isso, o contrabando não demorou a aparecer, tanto por parte dos portugueses, para não pagar o tributo, quanto por estrangeiros, sobretudo, os franceses.

A Constituição Brasileira de 1824 atribuiu às Províncias a autonomia política, estabelecendo três níveis de governo: o Governo Central do Império, as Províncias e os Municípios, todavia dispunha de pouquíssimas normas sobre tributação. Limitava-se a regulamentar que a receita e despesa seriam encarregadas ao Tribunal do Tesouro, debaixo de nome de “Thesouro Nacional" e seriam fixadas anualmente pela Assembléia Geral.

Somente com a Lei nº. 99 de 1835, é que foram regulamentadas as competências tributárias de cada uma das unidades políticas. O Governo Central ficou com tributos privativos de sua competência. As províncias foram autorizadas a criarem seus tributos, através das Assembléias provincianas e bem assim, encarregadas de estabelecer os tributos dos Municípios. Isto permitia que tributos equivalentes em suas estruturas fossem cobrados pelo Governo Central, pelas Províncias e em alguns casos, até mesmo pelos Municípios.

A Constituição estudada trouxe importante contribuição para a limitação ao poder de tributar, o princípio da legalidade tributária, conforme estabelecido no art. 72, § 30 do texto constitucional. Este princípio remonta a Magna Carta Inglesa, de 1215, que a partir de então, o mundo jurídico inglês passou a requerer a prévia aprovação para a cobrança de tributos, é o princípio da no taxation without representation. Seguindo essa linha, nenhum tributo poderia ser cobrado sem prévia aprovação do povo, representado pelo Poder Legislativo.

O Jurista Baleeiro (1986, p. 74), menciona que:

O poder de tributar, na Constituição, é regulado segundo rígidos princípios que deitam raízes nas próprias origens históricas e políticas do regime democrático por ela adotado. Vários desses princípios abrigam limitações ao exercício daquele poder e não apenas a competência tributária.

O mais universal desses princípios, o da legalidade dos tributos, prende-se à própria razão de ser dos Parlamentos desde a penosa e longa luta das Câmaras Inglesas para a efetividade da aspiração contida na formula “no taxation without representation”, enfim, o direito dos contribuintes consentirem – e só eles - pelo voto dos seus representantes eleitos, na decretação ou majoração de tributos. As Constituições, desde a independência Americana e a revolução Francesa, o trazem expresso, firmando a regra secular de que o tributo só se pode decretar em lei, como ato da competência privativa dos parlamentos.

Montesquieu aborda o tema da liberdade, para concluir que um Estado pode ser organizado de tal maneira que ninguém seja obrigado a fazer o que a lei não obriga, nem a não fazer aquilo que a lei permite.

A Constituição de 1891, já trazia em seu conteúdo a definição de áreas de competência tributária, adotou o critério da separação da área de competência para cada uma dos entes políticos: a União, os Estados e os Municípios. Essa Constituição ainda inovou ao estabelecer a imunidade tributária recíproca entre a União e os Estados, que Baleeiro (1975, p. 87), denomina de imunidade fiscal recíproca entre pessoas de direito público interno, que as compõe, regra expressa, prevista no artigo 10 do texto constitucional, da lavra de Ruy Barbosa.

Professor Costa, Titular de Direito Tributário da USP, elucubrando sobre o tema, argumenta que:
Na constituinte que levou à Constituição de 1891, as discussões foram bastante vivas. Várias propostas foram apresentadas, mas duas tiveram maior importância: uma, a proposta da Comissão dos 21, do Projeto e, a outra, a proposta de Júlio de Castilhos, que era - conforme nós sabemos - um positivista e um federalista extremado. É interessante notar, quando se lêem os anais da Constituinte de 1891, que o grande tema foi realmente a partilha de receita entre a União e os Estados. Este foi o grande tema. O efeito econômico dos impostos em relação aos contribuintes, em relação à economia nacional, não foi um tema muito debatido. Realmente tudo girou em torno da partilha do "bolo”.

Havia duas correntes: uma queria resguardar a Federação e a outra queria dar praticamente tudo aos Estados, ficando a Federação um pouco na dependência dos Estados. Com a Emenda de Júlio de Castilhos queria-se dar certos impostos à União, reduzidos a poucos; todo o resto que não estivesse na competência da União era dos Estados. Já o Projeto, que foi sustentado com muita veemência por Ruy Barbosa e por Ubaldino do Amaral, partia de outra concepção: dava certos impostos aos Estados e outros impostos à União. E, ainda mais, deixava um campo de competência concorrente aberto à União e aos Estados, coisa contra a qual se rebelavam os partidários da Emenda Júlio de Castilhos e outros, que achavam que este campo de competência concorrente iria provocar uma situação caótica.

Na verdade, a grande discussão girou em torno dos impostos de importação e de exportação que, ao tempo, eram a maior fonte de receita: os Estados querendo também ficar com alguma coisa do imposto de importação, uma corrente querendo abolir o imposto estadual de exportação por anti-econômico. Houve até - antes da constituinte - lei que fazia terminar o imposto de exportação em poucos anos, mas foi logo revogada. E, na verdade, o Projeto dizia que era da competência exclusiva da União decretar impostos sobre a importação de bens de procedência estrangeira: "Direitos de entrada, saída e estada de navios, sendo livre o comércio de costeagem' - hoje diríamos cabotagem - às mercadorias nacionais, bem como às estrangeiras que já tenham pago imposto de exportação; taxas de selo; contribuições postais e telegráficas; criação e manutenção de alfândegas e instituição de bancos emissores”.Proibia o Governo Federal de criar distinções e preferências em favor dos portos, de um contra os de outros Estados, mediante regulamentos fiscais ou comerciais, e dava depois, aos Estados, competência para decretar impostos sobre exportação de mercadorias que não fossem de outros Estados; sobre a propriedade territorial; sobre a transmissão de propriedade; declarava isenta de impostos, no Estado por onde se exportara, a produção de outros Estados; e permitia que um Estado tributasse a importação de mercadorias estrangeiras quando destinadas ao consumo no seu território, revertendo, porém, o produto do imposto para o Tesouro Federal.[3]

Dentro desse ambiente político e do contexto jurídico enriquecidos por eminentes nomes da política e do direito brasileiro, cujo preâmbulo estabelecia que os representantes do povo, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, promulgavam em 24 de fevereiro de 1891, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.

Estava dessa forma estabelecido o que o eminente jurista Baleeiro (1975, p. 75) dita: que o poder de tributar, na Constituição, é regulado segundo rígidos princípios que deitam raízes nas próprias origens históricas e políticas do regime democrático por ela adotado.

É verdade que ainda não tínhamos um Estado democrático de direito e muito menos, em relação às questões de ordem tributária, até porque, observavam-se flagrantes violações da ordem jurídica pela União, pelos Estados e pelos Municípios, mas diante de um direito ainda tão incipiente, muito já havia se conquistado e assegurado pelo princípio da legalidade estabelecido no artigo 72, § 1º. da Constituição de 1891, que ninguém poderá ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Só conheço duas espécies de governos: os bons e os maus. Os bons que estão ainda por fazer; os maus, em que toda a arte consiste, por diferentes meios, em passar o dinheiro da parte governada à bolsa da parte governante. Aquilo que os governos antigos arrebatavam pela guerra, nossos modernos obtêm com mais segurança pelo fiscalismo. É apenas a diferença desses meios que constitui sua variedade. Creio, no entanto, na possibilidade de um bom governo em que, respeitadas a liberdade e a propriedade do povo, ver-se-ia resultar o interesse geral, em contraposição ao interesse particular." Claude-Adrien Helvétius, Carta a Montesquieu (1748).

No preâmbulo da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, decretada e promulgada em de 16 de julho de 1934, os representantes do povo brasileiro se reuniram em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegurasse à nação a unidade, a liberdade, a justiça e seu bem-estar social e econômico. Nessa constituição as competências tributárias foram aclaradas e divididas entre a União, Estados e Municípios, de forma privativa, resguardando de possíveis repetições de tributos.

Essa Constituição vedada a bitributação, prevalecendo o imposto decretado pela União quando a competência fosse concorrente. Sem prejuízo do recurso judicial próprio, cabia ao Senado Federal, ex officio ou mediante provocação de qualquer contribuinte, declarar a existência da bitributação e determinar a qual dos dois tributos cabe a prevalência, estabelecendo de forma direta a limitação constitucional ao poder de tributar, na Federação Brasileira, não permitindo a invasão de competência tributária pela União, Estados, Distrito Federal ou Município.

Por último, vedava a União decretar impostos que não fossem uniformes em todo o território nacional, ou que importassem em distinção em favor dos portos de uns contra os de outros Estados e os relativos ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como, estabelecer diferença tributária em razão da procedência de bens de qualquer natureza.

Em 1937, o Congresso foi fechado pelo Presidente da República Getúlio Dornelles Vargas após fazer um pronunciamento pelo rádio, anunciando o "nascer da nova era" e outorgando uma nova Constituição, previamente elaborada e de cunho nitidamente autoritária e fascista. Era, na verdade, o início da ditadura, que perdurou até 1945, período intitulado de Estado Novo, com regime de governo que funcionou sem qualquer instituição parlamentar em atividade.

A Constituição de 1946 não concentrou seus debates em torno de nova modalidade de repartição de receitas, preferindo debater intensamente acerca das receitas municipais como uma evidência da fragilidade de nosso federalismo. Consolidado o regime de separação de fontes tributárias, uma das principais inovações da Constituição de 1946, foi a adoção de um sistema de transferências fiscais, pelo qual um nível de governo estava constitucionalmente obrigado a transferir parte de suas receitas a outro.

Por toda sua historia está comprovado ser o Brasil é um Estado fiscal, e dessa forma passa adquirir os fundos necessários para o cumprimento de suas atividades através da tributação e fez a opção pelo sistema capitalista com modelo econômico descentralizado.

Mas, o que torna o Brasil um Estado fiscal é a sua separação específica do poder econômico, do qual ele retira recursos para realizar suas funções. Estas são muitas, pois as forças detentoras do poder quando da promulgação da Constituição de 1988, procurou aproximá-lo, ao máximo possível, do Estado de bem estar social, ao mesmo tempo em que conciliava tal aspecto com o modelo descentralizado, iniciando-se a necessidade de se aumentar a arrecadação, mediante a elevação da tributação para que fosse possível a consecução dos fins sociais que o modelo estatal exigia.

O corolário dessa opção se dá com a possibilidade de cobranças adicionais de exações ocorridas por intermédio das chamadas contribuições sociais para a previdência, para a saúde, para a educação, bem como as contribuições de intervenção no domínio econômico, dentre elas, a Cide – Combustível.

Portanto, o Brasil é um país de sistema capitalista, com modelo descentralizado, que atua a todo o momento como interventor na economia, e dela retira os recursos necessários que permitem para dar cumprimento às suas funções constitucionais no pleno exercício da atividade financeira, que segundo Bastos (2002, p.5): é toda aquela marcada ou pela realização de uma receita ou pela administração do produto arrecadado ou, ainda, pela realização de um dispêndio ou investimento. É o conjunto das atividades que têm por objeto o dinheiro.

O Prof. da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Nabais, em algumas reflexões sobre o atual Estado fiscal, [4] explana acerca dos limites do Estado fiscal:

Embora a referência a esta problemática tenha surgido a respeito do limite máximo do poder do Estado, não podemos esquecer que há também um limite mínimo do (moderno), um limite que, uma vez ultrapassado, o dissolveria num tipo de organização comunitária incipiente ou degradada.

O Estado tem, pois, o poder de impor e cobrar os impostos necessários ao cumprimento daquelas tarefas ou funções que o suportam como. Todavia, quando se apela para idéia de fiscal, questionando a sua dimensão ou constatando nele uma crise, são preocupações relativas ao seu limite máximo que estão presentes. Se procura, ao fim e ao cabo, saber até onde pode ir o “despotismo mascarado” ou o “leviatão fiscal”, que o crescimento contínuo das despesas públicas e dos impostos, nos termos já há muito prognosticados por Adolfo Wagner, tem vindo a alimentar e com clara expressão na crescente percentagem do Produto Interno Bruto – PIB que passa pelas mãos do pela via dos impostos, uma percentagem que, por toda parte do mundo desenvolvido, já ultrapassou os 30%, e se aproxima mesmo em alguns casos dos 50%.


1.2 Da intervenção do Estado no domínio econômico

Adam Smith entende que apenas em três situações deve o Estado intervir na economia: segurança nacional, justiça e criação de atividades que, embora geradora de enormes benefícios líquidos para a sociedade, não encontrem indivíduos ou empresas dispostos a empreendê-las, na medida em que, para estes, os retornos obtidos não forem capazes de compensar os custos incorridos.

O Estado brasileiro ao disciplinar a ordem econômica observa que mesma está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, estabelecendo ainda como meta básica assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios gerais da atividade econômica: soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Quanto ao nível de envolvimento do Estado brasileiro no domínio econômico, ora pode ser direto, ora pode ser indireto.

Segundo o Ministro Eros Grau (2006, p. 162): O Estado brasileiro age diretamente como sujeito atuante no mercado por meio das formas de empresa pública, sociedades de economia mista e subsidiárias. Quando diretamente, o Estado pode atuar sob regime de monopólio legal (artigo 177 da CRFB/1988) ou como agente regulador pelo regime econômico privado, conforme o artigo 173 §§ 1o e 2o da CRFB/1988.

A atuação direta do Estado na economia decorre da necessidade da exploração de atividade econômica diante de imperativos como a segurança nacional ou relevante interesse coletivo, mediante autorização legislativa especifica, em lei ordinária. Neste caso, o Estado se personifica de empresa pública, instituída sob a forma de pessoa jurídica de direito privado, com capital exclusivamente público, para a realização de atividades nas áreas econômicas, basicamente de serviços públicos de interesse da Administração instituidora, nos formatos próprios da iniciativa privada.

Pode ainda o Estado, juntamente com a iniciativa privada, através da diversificação do capital (público e privado) atuar de forma direta na economia formando sociedade de economia mista que, como a empresa pública também são pessoas jurídicas de direito privado, todavia tem a participação do Poder Público e de particulares no seu capital, criada para a realização de atividade econômica de interesse coletivo, podendo, também, exercer serviços públicos.

A Emenda Constitucional nº. 19 ao art. 37, XIX, da Constituição Brasileira de 1988, dispôs que as fundações públicas, como as empresas públicas e as sociedades de economia mista, são criadas por autorização legislativa específica, entretanto para extingui-las é necessária apenas uma autorização legislativa, não necessitando ser específica.

A intervenção indireta está incrustada no art. 174 da Constituição de 1988, que limita a atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica.
Essa atividade é exercida na forma da lei, atuando ainda nas funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este, determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. As Contribuições instituídas para esta modalidade de intervenção funcionarão como instrumento de intervenção.

A atuação indireta do Estado pode se dar pela imposição normativa ao estabelecer que a lei estabeleça as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento ou mesmo pela adequada regulação da economia. O Ministro Eros Grau (2006, p. 163) se posiciona que a intervenção ocorre por indução e pela intervenção por direção.

Como acentua Celso Ribeiro Bastos, a intervenção indireta ocorre quando o Estado condiciona, motiva ou enquadra a atuação dos atores econômicos, nada obstante o fato de ele mesmo não assumir nenhum papel como produtor ou distribuidor de bens e serviços.

A atuação estatal na economia varia conforme modelo econômico adotado. O tributo pode, em última análise, ser uma ferramenta de atuação do Estado na economia, mas há alguns que são específicos e direcionados para tal finalidade. A tributação como instrumento de atuação possibilita a instituição de contribuições direcionadas ao controle de determinados setores da ordem econômica – o domínio econômico – se tornando uma das maneiras úteis de atuação do Estado na economia. Assim é possível fundamentar as Contribuições Sociais de Intervenção no Domínio Econômico.

Dessa forma, é possível perceber que as Contribuições Sociais de Intervenção no Domínio Econômico são espécies tributárias direcionadas a agir como instrumento de ingerência do Estado em determinado setor da economia.

A instituição dessas contribuições está prevista no art. 149 da Constituição vigente, sendo competência exclusiva da União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas. No entanto, sua cobrança pode ser delegada a entidades públicas específicas, criadas e direcionadas para a respectiva intervenção no domínio econômico, sendo essas entidades responsáveis por tal atuação.

1.3 Da intervenção do Estado brasileiro no domínio econômico

Neste trabalho, discorremos sobre a natureza jurídica da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Cide Combustíveis, prevista nos artigos 149 e 177 da Constituição Federal, contudo, não podemos deixar de focar aspectos que envolvem a ordem jurídico-econômica, dentre outros, destacamos a intervenção no domínio econômico, como meio do Estado demonstrar sua força junto à iniciativa privada.

Contudo, era necessário delimitar qual a área de atuação do Estado quando da realização da intervenção no domínio econômico, em razão das atividades econômicas serem realizadas, prioritariamente pela iniciativa dos particulares.

O legislador constituinte de 1988, preocupado com a verdadeira dimensão da intervenção no domínio econômico pelo Estado brasileiro teve o descortino necessário, quando ao tratar da matéria cuidou de fixar no texto da Constituição algumas circunstâncias em que o Estado teria legitimação jurídica para atuar diretamente em alguns seguimentos econômicos, que de modo geral, tem a atuação da iniciativa privada.

As exceções previstas na Constituição que permitem a exploração direta de atividade econômica pelo Estado, para o atendimento de imperativos decorrentes de segurança nacional ou de relevante interesse coletivo, determinam os limites das ações do Estado, permitindo, contudo a exploração direta pelo Estado brasileiro em relação a algumas atividades econômicas, desde que a atuação tivesse previsão em lei, conforme recomendado no texto da Carta política nacional.
Cuidou ainda o Constituinte nacional de 1988, de estabelecer os princípios constitucionais que têm a função de regular a irradiação e o contorno das diretrizes no ordenamento jurídico nacional da ação estatal nas atividades econômicas. Por isso, (FREITAS, 1998, p.50) conceitua o sistema jurídico como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente na Constituição.
O Jurista Carraza, (1998, p.30) se reportando sobre os princípios jurídicos, faz o seguinte manifesto:
Princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.

O Estado como ente político que tem como objetivo preponderante promover a segurança jurídica, a justiça e a paz social, em busca do bem comum de seus cidadãos, e que para atingir os seus fins expropria recursos dos cidadãos através das exações tributários e que sempre teve o Direito como instrumento de harmonização de conflitos sociais, passou a utilizá-lo como instrumento de aplicação de novas políticas públicas e para sua perfeita execução, até mesmo intervindo na economia, como bem definido no art. 170 da Constituição brasileira de 1988, com as alterações introduzidas por emendas constitucionais subseqüentes:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; .
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 6, de 1995) .

Sobre matéria, o Ministro Eros Grau (1997. p. 218), cujo saber jurídico é por todos reconhecido, assim se referiu:
Com o programa de promoção da existência digna, de que, repito, todos devem gozar. Daí porque se encontram constitucionalmente empenhados na realização desse programa — dessa política públicas maiores — tanto os setores públicos quanto o setor privado. Logo, o exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação do princípio duplamente contemplado na Constituição.
Portanto, a intervenção no domínio econômico pelo Estado Brasileiro, nos limites e condições definidas nos arts. 173 e 177 da Constituição Brasileira de 1988, que caracteriza o Estado como administrador de atividades econômicas, com as ressalvas previstas em seu próprio texto, a exemplo da exploração direta de atividade econômica pelo Estado que somente será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou o relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei, ou mesmo como definido no art. 174, em que o Estado aparece como agente normativo e regulador da atividade econômica, que compreende as funções de fiscalização, incentivas e planejamento, caracterizando o Estado regulador da atividade econômica.
As duas formas de intervenção no domínio econômico encontram justificação e legitimidade no contexto jurídico nacional.
Segundo o Ministro Eros Grau (1991. P. 162): O Estado brasileiro age diretamente como sujeito atuante no mercado por meio das formas de empresa pública, sociedades de economia mista e subsidiárias. Quando diretamente, o Estado pode atuar sob regime de monopólio legal (artigo 177 da CRFB/1988) ou como agente regulador pelo regime econômico privado, conforme o artigo 173 §§ 1º. e 2º. da CRFB/1988.




[1] Magna Carta, outorgada pelo Rei João Sem Terra, em Runnymede, perto de Windsor, no ano de 1215.

[2] Wikipédia, a enciclopédia livre. http://pt.wikipedia.org/, pesquisado em 10 de junho de 2006, às 20h30min.
[3]Apud. COSTA, Alcides Jorge. História do direito tributário II. São Paulo: USP. Disponível em: . Acesso em: 26 jun.2006.
[4] NABAIS, José Casalta. Algumas reflexões sobre o atual estado fiscal. Disponível em: . Acesso em: 26 jun.2006.

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