sábado, 22 de setembro de 2007

Contabilista, Uma Profissão de Risco!

Tendo em vista a complexidade apresentada pelo tema, subdividiremos a exposição da problemática ora levantada em dois capítulos, os quais serão publicados individualmente em edições continuas deste periódico, sendo fundamental para a plena compreensão que o leitor interessado acompanhe todas as publicações.
Nesta edição abordaremos a questão da Responsabilidade Civil do Contabilista à luz do Código Civil de 2002 — em vigor desde 1 de janeiro de 2003 — introduzindo o leitor ao tratamento destinado aos profissionais militantes na seara contábil quando de sua atividade resultar dano a terceiro, seja por culpa própria deste profissional ou mesmo decorrente de ato anterior a sua intervenção, do qual não tinha nem poderia ter conhecimento.
De todas as profissões reconhecidas, a única que é contemplada com dupla responsabilidade é a do contabilista [empregado, autônomo ou empresário no setor].
Em toda relação de serviço profissional podemos identificar a existência de dois sujeitos, o tomador e o prestador. O primeiro é aquele que se vale dos conhecimentos e dos serviços disponibilizados que atendam suas necessidades; o segundo é o ofertante e detentor de determinada técnica ou conhecimento — o prestador. Nestes conceitos podemos identificar diversas necessidades e para cada uma destas uma disponibilidade de solução. Assim vejamos, por exemplo: (i) para solucionar uma dor de dente, contamos com o conhecimento e a técnica disponibilizada pelo dentista; (ii) para recuperar um veículo, contamos com o profissional mecânico ou funileiro; (iii) para edificar uma casa, contamos com o conhecimento do arquiteto e do engenheiro, o primeiro para projetar e conceber e o segundo para erigir com segurança.
Nesta mesma linha de reflexão podemos enquadrar uma outra necessidade — cumprimento das obrigações acessórias de natureza fiscal-tributária; trabalhista e previdenciária; contábil e de tributação federal, tão necessária quanto ao alívio da dor de dente; a recuperação de um veículo ou a edificação esplendorosa e segura de uma residência.
As três primeiras necessidades são satisfeitas com o envolvimento bilateral de partes — onde encontramos o caso [dor de dente]; o tomador [paciente] e o prestador [dentista], onde satisfeitas, resolve-se a questão. Por outro lado, não satisfeitas, somente entre elas será resolvida a pendência. A inadimplência de uma delas não gera a terceiros qualquer direito. Nesta relação somente às partes compete agir, sempre uma contra a outra. Assim, se o paciente não pagou a consulta é direito do dentista de exigir o preço ajustado; por outro lado, se o dentista por imperícia causar dano maior ao paciente, este, somente este, poderá exigir sua reparação. A única exceção neste caso é o comportamento por dolo, que se verificado, sujeita seu autor a sanções públicas — normalmente penas privativas da liberdade e sanções de natureza profissional [suspensão do exercício, perda de licença etc.].
A mesma relação e conseqüências se verificam nos outros dois casos citados [reparação de veículo; edificação de uma casa], onde os tomadores e prestadores [mecânico, funileiro; arquiteto e engenheiro], se submetem às mesmas regras analisadas.
Dadas essas considerações, podemos retornar à análise da profissão do contabilista e dela subtrair para reflexão e avaliação o conceito de responsabilidade, como abordado, preliminarmente, no início deste trabalho.
Quando afirmamos que o contabilista é duplamente responsável, não estamos querendo dizer que ele [contabilista] deverá ressarcir em dobro o prejuízo que causou ao seu tomador [cliente ou empregador], quando do exercício regular de uma atividade, mas sim, estamos nos referindo a uma nova modalidade de responsabilidade, que diferentemente daquela existente entre o paciente e seu dentista, vincula o contabilista, também, ao credor de seu tomador [cliente ou empregador].
Diferentemente do médico, do dentista, do arquiteto, do engenheiro, do advogado, o contabilista é um preposto “ad negocia”, que, se utilizando do mandato (expresso ou tácito) a ele outorgado, ao agir com dolo e disto resultar um prejuízo a terceiros, estranhos, em princípio, na relação outorgante [contribuinte] e outorgado [contabilista], deverá para com este [terceiro], reparar o prejuízo sofrido. Aparentemente, parece óbvio, pois todo aquele que gera prejuízo deve reparar.
Mas esta interpretação ao caso é muito simplista e não corresponde à extensão desta nova responsabilidade do contabilista, pelo menos é o que se deduz das disposições contidas no novo Código Civil brasileiro — Lei nº 10.406/02, que literalmente diz:
Capítulo III DOS PREPOSTOS Seção III Do Contabilista e Outros Auxiliares
“Artigo 1.177 — Os assentos lançados nos livros ou fichas do preponente, por qualquer dos prepostos encarregados de sua escrituração, produzem, salvo se houver procedido de má-fé, os mesmos efeitos como se o fossem por aquele.”
“Parágrafo único: No exercício de suas funções, os prepostos são pessoalmente responsáveis, perante os preponentes, pelos atos culposos; e, perante terceiros, solidariamente com o preponente, pelos atos dolosos.” (grifo nosso)
O conceito de dano causado aqui é diverso daquele dano causado conhecido pela legislação até então vigente e analisado em verso e prosa, principalmente pela doutrina jurídica.
A extensão do dano causado como definido no citado artigo foi ampliado de tal sorte a ponto de não guardar relação com o fato e sua conseqüência, elementos definidores e mensuradores do dano, senão vejamos: um indivíduo, no volante de um veículo que lhe foi emprestado, intencionalmente arremessa-o contra um muro, destruindo o muro e totalmente o veículo. Ele sabe muito bem o dano causado (o valor do veículo destruído e o custo para recomposição do muro). Este é o valor do dano a ser reparado.
Porém, quando o ato, praticado de forma dolosa, torna incerto, ilimitado e desproposital o valor a ser reparado — e só estamos falando do dolo civil — afigura-se como um instituto jurídico diferente da relação fática, pois a solidariedade não é a medida de reparação de um dano, produto de um ato intencional ou mesmo consciente.
O dolo pressupõe características próprias, a saber: a existência do artifício, do engano ou do manejo; a intenção; o induzimento de outrem à prática de ato jurídico que lhe resulte em prejuízo; o proveito daquele que agiu com dolo ou de outrem. Neste contexto encontramos no mínimo três elementos, a saber: 1º) o induzido; 2º) o enganador — que se beneficiará e 3º) eventualmente um terceiro, que também tirará vantagem do ato praticado.
Se aplicarmos tais pressupostos na relação — empresa, contabilista e credor, como bem tipificado no requisito acima, obteríamos: a) o induzido > o credor; b) o enganador > o contribuinte e o contabilista; c) eventualmente o terceiro — não há. Verifica-se aqui um concurso na prática do dolo.
Sabemos que o concurso requer comportamento afim; atitude comparsa; afinidade e alinhamento de intenções; ingerência, reciprocidade e proveito comum do benefício ou vantagem, o que, via de regra, não corresponde à relação estabelecida entre o Contador e aquele que lhe contrata os serviços, como ficará claro na próxima edição deste periódico, onde restará demonstrado o quão fantasiosa é a abordagem adotada pelo Código Civil de 2002 quando posta diante da realidade do exercício da atividade contábil.
Autor: Cláudio Cru Advogado em São Paulo Empresário da Contabilidade

Nenhum comentário: