domingo, 15 de junho de 2008

Reforma errada na hora certa

MINISTRO DA FAZENDA, Guido Mantega, cumpriu à risca o roteiro que traçou para apresentar sua proposta de reforma tributária. Realizou reuniões solenes com empresários e trabalhadores e fez questão de ir pessoalmente à Câmara e ao Senado para entregar o documento que será submetido ao aval do Legislativo. O governo acredita que não poderia haver melhor momento para a aprovação de mudanças no sistema tributário do País. A economia vai de vento em popa, as contas públicas estão em ordem e há campo de sobra para discutir com as partes interessadas eventuais perdas. Na teoria, também servem de forte trunfo os recordes de arrecadação de tributos. Mesmo com o fim da CPMF, a cobrança de impostos e contribuições federais atingiu R$ 62,596 bilhões em janeiro, o melhor resultado já registrado para o primeiro mês de um ano. Tudo, portanto, parece conspirar a favor da aprovação da reforma. Existe, porém, um senão, que dará dores de cabeça ao governo. O texto da Fazenda promete racionalidade e simplificação, mas em momento algum fala de queda na carga tributária. Passa ao largo do corte de impostos. O que certamente tornará tortuosa a tramitação da proposta. O próprio presidente Lula mostrou-se preocupado com o futuro do projeto. “Temos um ano político e, a partir de julho, está todo mundo na rua fazendo campanha”, advertiu, em audiência com empresários. Depois de pedir pressa aos políticos, Lula garantiu que, se a reforma for aprovada, será possível, então, “sonhar com uma redução das alíquotas”.
JORGE GERDAU: o barão do aço defende maior simplificação do sistema tributário e menos burocracia fiscal
Para o setor produtivo, porém, o tempo de sonhar já passou. Os empresários aplaudem a criação do IVA federal (Imposto sobre Valor Adicionado), que visa unificar PIS, Cofins e Cide. Também apóiam a desoneração das exportações e a criação do novo ICMS (uma espécie de IVA estadual). Lamentam, contudo, que ainda sejam preservados o IPI e o ISS. “Era a hora de eliminar esses tributos”, diz Armando Monteiro Neto, da CNI. Outros dizem que o governo deveria assumir compromisso com a redução da carga tributária, hoje em torno de 38% do PIB. Durante encontro no Palácio do Planalto, sob o olhar atento do presidente Lula, o tributarista Antoninho Marmo Trevisan afirmou que o governo não deve temer a redução de alíquotas. Segundo ele, “vale a máxima: quanto menor a alíquota, mais pessoas podem recolher o tributo”.
Convidado por Guido Mantega a dar sua opinião “para esquentar um pouco o debate”, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, foi educado, mas manteve suas contundentes ressalvas. “Vamos à luta para aprovar a reforma tributária ainda este ano, porque ela almeja simplificar o sistema e pôr fim à guerra fiscal”, disse. “Mas é muito importante que o aumento da arrecadação seja devolvido à sociedade através de redução das alíquotas e do alongamento dos prazos.” Ao sair da reunião, Paulo Skaf fez questão de lembrar à DINHEIRO que seu prognóstico sobre o fim da CPMF estava correto. “A CPMF foi extinta, mas a arrecadação não pára de subir.” Não bastasse o foco distorcido, o conteúdo, em si, do projeto da Fazenda também é alvo de polêmica. Segundo o economista Marcos Cintra, da Fundação Getúlio Vargas, “a proposta é engenhosa, mas só funciona no papel, pois é de dificílima operacionalização”. Além disso, a sua proposta de simplificação do sistema, com o imposto único, nem sequer foi cogitada.
ARMANDO MONTEIRO NETO: o presidente da CNI imaginava que a criação do IVA significaria o fim de outros impostos em cascata
Na verdade, apesar dos esforços do secretário de Política Econômica, Bernard Appy, para agradar a gregos e troianos, o texto oficial não resistiu aos primeiros embates. As centrais sindicais, por exemplo, não aceitaram a redução da contribuição patronal para o INSS de 20% para 14% do valor da folha salarial. Em audiência no Planalto, pediram a retirada do item, que o governo considera essencial para desoneração das folhas de pagamento. Por decisão do presidente, o tema saiu da proposta de emenda constitucional e será enviado como projeto de lei. O novo ICMS, recolhido no destino, também recebeu sinal vermelho dos governadores. Na última hora, pressionada por Aécio Neves e José Serra, a Fazenda concordou em manter uma alíquota residual do ICMS, de 2%, nos Estados de origem dos produtos. Mas acena com punição para quem adotar práticas de guerra fiscal.
Além disso, em surpreendente confissão de impotência, o ministro Mantega explicou aos empresários que também gostaria de propor a eliminação do IPI e do ISS, mas não encontrou sustentação para isso. “Acabar com o IPI seria o mesmo que acabar com a Zona Franca de Manaus. Quanto ao ISS, houve forte reação dos grandes municípios”, revelou. Como se vê, não é nada fácil extinguir impostos no País. E, por isso mesmo, os recuos e alterações do governo começaram antes mesmo de o projeto oficial entrar em discussão no Congresso. Na quinta-feira 28, os presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia, e do Senado, Garibaldi Alves, prometeram acelerar a tramitação. Chinaglia comunicou a Mantega que vai instalar imediatamente a comissão especial para analisar a reforma e fará reuniões com líderes partidários para discutir os nomes dos seus integrantes. Apesar desses sinais de boa vontade, pouca gente acredita que a reforma tributária seja aprovada ainda este ano. Mas, se passar, sofrerá mudanças drásticas. Dificilmente seguirá o figurino traçado pela Fazenda. E muito menos trará redução ou simplificação da carga tributária, que os empresários aguardam há muitos anos. “Tenho uma empresa no Canadá onde um funcionário liquida toda a papelada fiscal em meio expediente”, disse o empresário Jorge Gerdau. “Um dia chegaremos lá.”

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