terça-feira, 24 de junho de 2008

FORÇA DA NORMA ANTIELISIVA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CTN

AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO - INCORPORAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA CONTROLADORA POR SUA CONTROLADA - ANO-CALENDÁRIO 2002 - É permitida a amortização de ágio nas situações em que uma pessoa jurídica absorve patrimônio de outra, em conseqüência de incorporação, na qual detenha participação societária adquirida com ágio, apurado segundo o disposto no artigo 385 do RIR/99, inclusive no caso de incorporação da controladora por sua controlada. Tratando-se de fundamento econômico lastreado em previsão de resultados nos exercícios futuros, a amortização se dá nos balanços correspondentes à apuração do lucro real, levantados posteriormente à incorporação, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração.
INCORPORAÇÃO DE EMPRESA - AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO - NECESSIDADE DE PROPÓSITO NEGOCIAL. UTILIZAÇÃO DE "EMPRESA VEÍCULO" - Não produz o efeito tributário almejado pelo sujeito passivo a incorporação de pessoa jurídica, em cujo patrimônio constava registro de ágio com fundamento em expectativa de rentabilidade futura, sem qualquer finalidade negocial ou societária, especialmente quando a incorporada teve o seu capital integralizado com o investimento originário de aquisição de participação societária da incorporadora (ágio) e, ato contínuo, o evento da incorporação ocorreu no dia seguinte. Nestes casos, resta caracterizada a utilização da incorporada como mera "empresa veículo" para transferência do ágio à incorporadora. Por maioria de votos, REJEITAR as preliminares suscitadas pela procuradoria e pelo contribuinte. No mérito, por maioria de votos, NEGAR provimento ao recurso voluntário, vencidos os Conselheiros Alexandre Barbosa Jaguaribe e Paulo Jacinto do Nascimento, que deram provimento parcial para excluir os juros sobre a multa de oficio, e, por unanimidade de votos, NEGAR provimento ao recurso de ofício. Declaração de voto do Conselheiro Paulo Jacinto do Nascimento Luciano de Oliveira Valença - Presidente. (ACÓRDÃO 103-23.290, de 05.12.2007, da 3ª Câmara do 1° CONSELHO DE CONTRIBUINTES. Publicado no DOU em: 08.05.2008)
Os presentes comentários têm como foco o segundo tópico da ementa acima destacada, correspondente à decisão que não admitiu a amortização do ágio sob a justificativa da ausência de "propósito negocial" na incorporação da empresa na qual figurava um investimento com ágio fundado na rentabilidade futura, por ter entendido a Câmara que a empresa incorporada serviu apenas de veículo para transferir o referido ágio para a incorporadora, uma vez que a incorporação foi efetivada no dia seguinte ao da integralização do aumento de capital da incorporada com o investimento da titularidade da incorporadora.
De plano, caberia indagar se a manutenção desse tipo de ágio na nossa legislação ainda encontra justificativa econômica, ou se já cumpriu seu papel como um dos instrumentos que viabilizaram as privatizações. Deveras, é indubitável que a amortização desse ágio representa um genuíno benefício fiscal, já que, na realidade, nesse tipo de operação ocorre efetivamente a aquisição do estabelecimento (ou do fundo de comércio), que não é passível de amortização.
Sem embargo, no Acórdão em destaque essas não foram as razões para a recusa da amortização do aludido ágio. Nem poderia ser diferente, visto que a amortização do ágio vinculado à rentabilidade futura tem autorização expressa da Lei n° 9.532, de 1997. Assim, enquanto essa Lei não for revogada, a amortização desse ágio está garantida.
Com efeito, no rigor do Acórdão em análise, a ausência de "propósito negocial" na incorporação da empresa investida foi a causa determinante para a manutenção da glosa da amortização do aludido ágio. Essa expressão (falta de propósito negocial), como é do conhecimento geral, apareceu no direito pátrio na Medida Provisória n° 66/2002 que tentou regulamentar o parágrafo único do artigo 116 do CTN, acrescentado pela Lei Complementar n° 104, de 2001.
Nessa visão retrospectiva, vale recordar que a Lei Complementar n° 104, de 10 de janeiro de 2001, acrescentou um parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional, com a seguinte redação:
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Para dar efetividade ao novo comando legal, houve uma tentativa de estabelecer os procedimentos exigidos para sua aplicação por intermédio dos artigos 13 a 19 da Medida Provisória n° 66, de 2002, cujo artigo 14 tinha a seguinte redação:
Art. 14. São passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos que visem a reduzir o valor de tributo, a evitar ou a postergar o seu pagamento ou a ocultar os verdadeiros aspectos do fato gerador ou a real natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.
§ 1º Para a desconsideração de ato ou negócio jurídico dever-se-á levar em conta, entre outras, a ocorrência de:
I - falta de propósito negocial; ou
II - abuso de forma.
No entanto, essa tentativa foi rejeitada pelo Congresso Nacional e dificilmente será aprovada em outra oportunidade proposta com a mesma envergadura. Portanto, no rigor jurídico, poder-se-ia afirmar que essa norma não será aplicada por ausência de regulamentação.
Todavia, o acompanhamento da jurisprudência administrativa evidencia que, mesmo não regulamentada, essa norma determinou uma mudança significativa na avaliação dos planejamentos tributários, deslocando a análise do campo meramente formal para o âmbito material, como, aliás, fez o Acórdão ora destacado.
Dessa forma, ainda que rapidamente, é necessário fazer uma breve análise da norma contida no parágrafo único do artigo 116. De plano, cabe observar que há dissenso doutrinário a respeito da sua natureza que dificilmente será superado porque envolve questões ideológicas. Assim, há os defensores da tese de que essa norma nada inovou porque visa combater a evasão fiscal, contra a qual já havia instrumentos suficientes na ordem jurídica. Em contraponto, há os ferrenhos defensores de que o preceito do parágrafo do art. 116 do CTN tem a função de coibir a elisão fiscal com "abuso de direito".
Numa rápida conceituação, pode-se afirmar que a evasão fiscal caracteriza-se pela utilização de comportamentos proibidos pelo ordenamento para diminuir, deixar de pagar ou retardar o pagamento de tributos, enquanto a elisão fiscal corresponde à adoção de condutas lícitas que tenham por finalidade diminuir, evitar ou retardar o pagamento do tributo.
Vê-se, portanto, que nas duas situações, o objetivo é o mesmo: a economia tributária. A diferença está na forma da conduta: na evasão, vale-se de comportamento proibido (simulação, por exemplo), enquanto na elisão são adotadas condutas lícitas. Ora, se na elisão fiscal a conduta é lícita, torna-se difícil admitir que o preceito do parágrafo único em análise tenha por finalidade combatê-la.
Neste particular, revela-se oportuno destacar o magistério do mestre Marco Aurélio Greco, sempre preciso e veemente nas suas advertências, verbis:
O ordenamento jurídico assegura a liberdade individual e a liberdade negocial como sua manifestação. Porém, esta não é absoluta e deve ser exercida dentro do quadro referencial de valores objetivos que a própria Constituição Federal traça.
Para utilizar uma expressão corriqueira, é a liberdade com responsabilidade ou, nos termos do inciso I do art. 3º da CF/88, é a liberdade com responsabilidade.
Não há respostas prontas, nem soluções mirabolantes. Importante é acentuar a necessidade de muito estudo em cada caso concreto. Não basta examinar abstratamente o modelo X ou Y; é indispensável conhecer e ponderar as circunstâncias concretas que cercam cada caso, pois estas é que irão determinar se e quando os efeitos tributários benéficos de certa reorganização societária serão ou não oponíveis ao Fisco e se os contribuintes verão assegurados os resultados tributários pretendidos.(*1)
Foi o crivo do ACÓRDÃO n°103-23.290 ora destacado. De fato, nesse julgado não houve uma recusa incondicional da amortização do ágio: manteve-se a glosa da aludida amortização porque, no entendimento da Câmara, a operação de incorporação que viabilizou a transferência do ágio para a incorporadora não tinha respaldo em efetivo "propósito negocial", significando que a norma do parágrafo único do artigo 116 do CTN, se não foi aplicada diretamente, serviu de inspiração para a decisão proferida. É um paradoxo, já que uma norma pendente de regulamentação, claramente, não deveria produzir efeitos.
Assim, enquanto não regulamentada, a norma contida no parágrafo único do artigo 116 do CTN não deveria influir nas decisões proferidas pelas Câmaras do Conselho de Contribuintes. Todavia, não é demais repetir, ainda que pendente de regulamentação, essa norma tem servido de diretriz para a recusa dos planejamentos tributários destituídos de causas econômicas reais, cuja existência deve ser avaliada, antecipadamente, pelo crivo do direito privado e da própria economia, o que coloca a economia tributária como resultante da efetiva operação na ótica do direito privado. A causa única da economia tributária passa a não ser suficiente!
A eficácia antecipada da denominada norma antielisiva representa a força ínsita dessa norma, certamente pelas ponderações que ela suscita. O certo é que os planejamentos tributários apenas formalmente regulares, mas sem justa causa econômica, como parece ser o caso presente, por influência decisiva da referida norma, tendem a não ser mais admitidos nos julgamentos administrativos. E essa análise, como bem adverte o mestre Marco Aurélio Greco, será em cada caso concreto, mas como o crivo da denomina norma antielisiva, a despeito da sua falta de regulamentação.
NOTA:
(*1) GRECO, Marco Aurélio. Reorganização Societária e Planejamento Tributário. In, CASTRO, Rodrigo R. Monteiro e ARAGÃO, Leandro Santos de (Coordenadores). Reorganização Societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 49.
Antonio Airton Ferreira - Advogado, Economista e Professor Universitário. Administrador da FISCOSoft Editora Ltda. Sócio do Escritório Ferreira e Ferreira Advocacia Tributária e Empresarial.

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