sábado, 19 de julho de 2008

Senado argentino impõe a pior derrota a Cristina

A presidente Cristina Kirchner e seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, sofreram uma derrota sem precedentes ao perder a votação no Senado do projeto de lei (resolução 125) que determinava o aumento dos impostos sobre as exportações agrícolas argentinas. Após 16 horas de debates, a votação do projeto do governo acabou em empatada em 36 a 36. O voto de minerva coube ao vice-presidente Julio Cobos, que também é presidente do Senado.Contrário ao projeto, Cobos votou contra e, depois de declarar seu voto, fez um longo discurso no qual lamentou a profunda divisão política que assola a sociedade argentina. O vice-presidente chegou a sugerir aos senadores que realizassem um recesso para "encontrar um consenso". As lideranças kirchneristas, no entanto, recusaram-se a aceitar. Cobos é o representante dos Radicais-K, como são denominados os integrantes do setor dissidente da União Cívica Radical (UCR) que há dois anos decidiram aliar-se aos Kirchner. Setores rebeldes do peronismo - entre eles o ex-presidente Eduardo Duhalde e o ex-governador de Córdoba José Manuel de la Sota - fortalecem-se com a derrota do casal presidencial. Além disso, os ruralistas despontam como um novo poder político na Argentina. A votação, concluída às 4h30min desta quinta-feira, foi comemorada pelos produtores rurais, instalados ao ar livre no bairro portenho de Palermo. "Foi uma atitude nobre, de muita coragem por parte de Cobos", disse o vice-presidente da Sociedade Rural, Hugo Biocalti. O próximo passo agora, explicou o presidente de Confederações Rurais, Mario Llambias, é buscar uma solução para desenhar uma política agropecuária para o país. O jurista Daniel Sabsay explicou que a derrota do projeto de lei no Senado implica a revogação da polêmica resolução 125, anunciada em 11 de março, que deu início à crise com o setor agropecuário. Os ruralistas protagonizaram durante os últimos 128 dias um intenso conflito com o governo.Cobos afirma que não vai renunciar à vice presidência e que a crise é socialO vice-presidente da Argentina, Julio Cobos, afirmou nesta quinta-feira que não vai renunciar se a presidente Cristina Kirchner pedir ou como já pedem alguns militantes do Partido Justicialista (PJ), ou partido peronista. "Não penso em renunciar. Se me pedem a renúncia, estariam afetando a institucionalização porque fui escolhido pela mesma quantidade de votos que a presidente", afirmou.A hipótese de renúncia do vice-presidente argentino é um fantasma deixado pela renúncia de Carlos "Chacho" Álvarez, vice de Fernando De La Rúa, em 2000, antes da crise de 2001. A função do vice se limita à condução do Senado, como presidente da Casa, segundo prevê a Constituição. Quando surge uma crise e o vice demonstra diferenças com a Casa Rosada, a possibilidade de renúncia sempre aparece."Renunciar seria trair a vontade popular que votou em mim também", destacou Cobos. "Ninguém está contra o modelo ou o governo, mas sim contra a forma e um projeto sem consenso", disse ele. "Pedi outro projeto e que a sessão fosse suspensa porque muitos senadores queriam contribuir com propostas para mudar o texto e encontrar uma solução para o conflito, mas não entenderam", contou.Cobos ponderou que "das 24 províncias, a metade pedia outra coisa; se tivesse sido aberta a possibilidade de mudar o projeto, não teríamos passado isso". O vice-presidente disse esperar que o país entre em uma nova etapa. "Tomara que entendam a mensagem", afirmou. "Eu tenho a consciência tranqüila, o que nos preocupa agora é virar a página destes últimos meses. Minha decisão foi de acordo com meus princípios, minhas convicções", justificou, explicando que trabalhou para que o projeto passasse mais tempo na comissão. O vice-presidente contou que não esperava ter que desempatar essa votação e recordou que pertence a outro partido, a União Cívica Radical (UCR). Por isso, considera natural pensar diferente dos justicialistas. "Espero que tenhamos chegado a uma maturidade democrática para discordar de idéias", disse. Para analistas, governabilidadeda Argentina não está em jogoA governabilidade de Cristina Kirchner não está em jogo depois do voto de minerva do vice-presidente, Julio Cobos, na votação que derrubou o projeto oficial para legitimar o aumento dos impostos de exportações agrícolas. Essa é a principal mensagem transmitida pelos analistas políticos. Porém, todos advertem que "tudo vai depender da reação do governo", como sintetizou o analista Carlos Fara, da consultoria homônima."Na verdade, vai depender muito da forma como o governo tomará essa derrota: se não a dramatizar, só será uma derrota política", afirmou. O estilo de governar inaugurado pelo ex-presidente Néstor Kirchner, em maio de 2003, e que persiste com Cristina é de confronto. Durante os quatro meses de conflito com o campo, o casal Kirchner insistiu em acusar os produtores rurais de "golpistas", insinuando que por trás dos protestos há o claro intuito de desestabilização.Se esta tendência será mantida ou não ainda é uma incógnita, já que o casal presidencial ainda não se manifestou sobre o resultado da votação. O que é claro é que as últimas 48 horas no país foram históricas e mostram que "o estilo de governar dos Kirchner chegou ao final", afirmou o cientista político Rosendo Fraga, do Centro de Estudos Nueva Mayoria. "Nunca houve duas concentrações de tamanha dimensão em uma mesma cidade sobre o mesmo assunto; tampouco temos registro de uma votação tão dramática", analisou.

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