domingo, 18 de maio de 2008

Reforma pela metade


Luciane Medeiros
A proposta de reforma tributária encaminhada no início do ano pelo governo federal ao Congresso é mais tímida do que inicialmente havia sido anunciado. Especialistas no assunto temem que a mudança não tenha impacto real para os contribuintes, representando poucos avanços para a economia brasileira. No lugar do Imposto sobre Valor Agregado (IVA-Dual) proposto originalmente com duas alíquotas, uma apropriada pela União e outra da competência dos estados, a União está propondo o IVA-F (Imposto sobre o Valor Adicionado). Além disso, previa-se a extinção da Contribuição do Salário-educação. Para recuperar as perdas que os municípios teriam com o fim da arrecadação do ISS, seria criado o Imposto sobre Vendas a Varejo (IVV), de difícil cobrança, uma vez que é dirigido ao consumidor final, não permitindo o uso do regime da substituição tributária, sendo necessário fiscalizar os pontos-de-venda para verificar se houve o pagamento dos tributos. Segundo o coordenador do Núcleo de Estudos em Direito Tributário Paulo de Barros Carvalho, Luiz Fernando Rodriguez Júnior, várias idéias iniciais foram deixadas de lado, tornando a proposta mais tímida. Entretanto, foi levada em consideração a situação dos municípios, que se beneficiam da arrecadação do ISS, uma vez que ele incide sobre o setor de serviços. "Estaríamos na contra-mão da história propondo a troca do ISS pelo IVV que só faria aumentar as dificuldades de cobrança por parte dos municípios. As prefeituras teriam grandes perdas de arrecadação sem o ISS." Outro ponto sem continuidade na atual proposta diz respeito ao IPI, que possui regimes importantes na Zona Franca de Manaus, e o governo não encontrou formas de recuperar. Na opinião de Rodriguez, a reforma apresentada foi a possível. "É preciso consenso entre sociedade e Fisco. De um lado, o contribuinte quer pagar menos, mas, ao mesmo tempo, exige a prestação de serviços por parte dos governos." Para que ocorra o retorno dos impostos cobrados, diz ele, é necessário que haja arrecadação para os cofres públicos. O tributarista acredita que o projeto comporta melhorias, pois existem situações que não são contempladas atualmente. O secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, André Luiz Barreto de Paiva Filho, lembra que a proposta passou por uma longa etapa de discussão, envolvendo toda a sociedade. "Não adianta construir um modelo teoricamente perfeito. Procuramos atentar às questões de modelo politicamente viável." O coordenador da Reforma Tributária no Conselho de Desenvolvimento Econômico, ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto defende melhorias no texto, mas não acredita que isso faça com que os parlamentares não votem a PEC. "A falta da reforma tributária prejudica toda a sociedade, tira a competitividade e penaliza quem paga corretamente os tributos. Quem paga a conta é a sociedade e a economia, que fica mais travada." Paiva diz que o momento é propício para a provação. "Se ela (reforma) não for implantada agora, o Brasil perde a oportunidade de crescer e ter melhorias de compartilhamento dos recursos entre os entes federados, dando fim à guerra fiscal", reforça.
Mudanças abririam margem para contestação judicial A possibilidade de criação do Imposto sobre Operações com Bens e Prestações de Serviços poderia ser contestada judicialmente. Na opinião do tributarista Luiz Fernando Rodriguez Júnior, a União estaria de olho no ISS e, talvez, até no ICMS. "A alteração, levando essa nomenclatura, seria constitucional?" Rodriguez explica que a tributação de serviços no País é dividida entre municípios e estados. Estados tributam telecomunicações, energia elétrica e transportes. Municípios ficam com os demais serviços. "A Constituição Federal garante quais serviços os estados têm direito a cobrar, mas os municípios não têm isso garantido. Não pode ocorrer uma dupla tributação." Essa confusão jurídica deve ser aproveitada pelos advogados. Rodriguez diz que bastaria intitular o imposto de forma diferente. Ele levanta também o cuidado que se deve ter ao implantar mudanças, lembrando uma regra do direito tributário que diz que norma boa é norma velha. O temor é de que rompimentos bruscos tragam prejuízos aos contribuintes, pois necessitam de tempo para serem compreendidas. Um exemplo é a implantação do Simples Nacional no ano passado, que gerou dúvidas e confusões, nos primeiros meses, pela dificuldade de entendimento da nova legislação.
Carga tributária bruta brasileira aumenta 34,6% Entre 1998 e 2003, a carga tributária bruta brasileira se caracterizou por uma tributação mais pesada nas empresas estatais e pela criação de novos impostos. Já de 2004 a 2007, a elevação ocorreu devido a um aumento da lucratividade das empresas e da formalização do mercado de trabalho, com um novo ciclo de crescimento econômico. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, entre 1995 e 2005, o total de impostos, taxas e contribuições pagos pelo setor privado ao governo saltou de cerca de 26% para 33,8% do PIB. Estimativas da Secretaria da Receita Federal do Brasil (2007) indicam que, em 2006, a carga tributária bruta atingiu 34,2%. Um levantamento elaborado pelos pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Claudio Hamilton e Marcio Bruno estima que esse número foi de 34,6% em 2006 e tende a ultrapassar com folga a marca dos 35% do PIB em 2007. Os tributos brasileiros são divididos em cinco categorias: os impostos sobre produtos; outros impostos ligados à produção; impostos sobre renda e patrimônio; contribuições sociais efetivas (INSS, RPPS, FGTS, PIS/Pasep) e os impostos sobre o capital. A carga tributária bruta é a soma de todos os impostos divididos pelo Produto Interno Bruto (PIB). O box a seguir mostra os componentes da carga tributária em 2005 em bilhões de reais.
Eleições podem inviabilizar implantação A realização do pleito municipal em outubro deste ano pode impedir a votação da reforma tributária pelo Congresso Nacional e sua conseqüente implantação. O alerta é do coordenador da Reforma Tributária no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, o ex-governador do Rio Grande do Sul Germano Rigotto. "A análise da proposta está ocorrendo de forma mais lenta do que deveria. A partir de junho o Congresso vai parar devido às eleições", diz. Rigotto critica a falta de agilidade da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em liberar o processo e também a demora para instalação da comissão especial. Segundo ele, em um ano normal, sem eleição, o cumprimento mais lento das etapas poderia ser aceitável, mas o pleito torna 2008 atípico. O projeto deveria chegar ao Congresso em agosto de 2007 e acabou sendo enviado apenas em 28 de fevereiro deste ano. A falta de quórum impediu a abertura da sessão na Câmara e instalação da comissão especial, o que é preocupante. "Com aproximadamente 150 deputados federais candidatos ao cargo de prefeito, o ano não ajuda, e as demoras só prejudicam o andamento do trabalho." Conforme Rigotto, a proposta chegou ao Congresso com vários pontos que necessitam de melhorias. Ele questiona como será feito o fundo de equalização para garantir que, nas mudanças de origem e destino, os estados não tenham perdas. "A alteração deve ser bem detalhada para garantir que, se o estado não tenha ganhos, também não registre perdas", exemplifica. Outro ponto que necessita ser aprimorado se refere às simulações de alíquotas. Deve ser trabalhada a legislação e regulamentado o impacto da implantação do IVA federal e do novo ICMS em alguns setores, acalmando os segmentos que temem aumento da carga tributária. "Ainda há muito trabalho e debate sobre a regulamentação. Essas questões exigem negociação, trabalho e priorização total da reforma por parte do executivo e do Congresso Nacional." Para o ex-governador, não só o ministro da Fazenda, Guido Mantega, como o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve envolver-se na questão. "Lula precisa mostrar com toda a força que a reforma tributária é prioridade para o governo, mobilizando a base, ajudando a resolver pendências junto aos estados, caso ocorram, e conversando com governadores. É um trabalho conjunto." Na opinião de Rigotto, após junho, o processo não deverá ter avanços. Ele espera que até o fim do primeiro semestre a votação tenha sido feita na Câmara Federal. Mesmo cumprindo o prazo de todas as sessões, ainda é preciso passar por votação em plenário. A saída para agilizar a votação é a sociedade pressionar os envolvidos. Muitas vezes, o receio de aumento da carga tributária faz com que o contribuinte "puxe o freio", deixando o sistema tributário como está: totalmente ineficiente e injusto, com centralização de recursos e reduzindo o número de contribuintes. "A sonegação e informalidade crescem pela complexidade do sistema. Sem avanços da reforma, teremos o agravamento da situação", destaca Rigotto.
Contribuições da reforma tributária  Simplificação e desburocratização do sistema tributário, reduzindo significativamente o número de tributos e o custo de cumprimento das obrigações tributárias acessórias pelas empresas;  Aumento da formalidade, distribuindo mais eqüitativamente a carga tributária: os que hoje pagam impostos pagarão menos, e aqueles que não cumprem suas obrigações tributárias passarão a contribuir;  Eliminação das distorções da estrutura tributária, diminuindo o custo dos investimentos e das exportações;  Eliminação da guerra fiscal, resultando em aumento dos investimentos e da eficiência econômica;  Avanço importante na política de desoneração, reduzindo o custo tributário para as empresas formais, para os consumidores e ampliando a competitividade do País;  Aperfeiçoamento da política de desenvolvimento regional, introduzindo mecanismos mais eficientes de desenvolvimento das regiões mais pobres.

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