sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

[Sistema Tributario] IVA, IR e equidade no sistema tributário

Há quase 20 anos o Brasil debate a necessidade de ter um novo sistema tributário. Existe um consenso de que a reforma do sistema deve ter três objetivos básicos: eficiência, simplicidade e equidade. Concorda-se que o número de tributos que incidem sobre a produção e o consumo precisa diminuir e que os tributos cumulativos devem ser substituídos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
No estudo "Política Tributária e Política Social no Brasil: Impacto sobre a Distribuição de Renda entre os Domicílios", os pesquisadores Rozane Bezerra de Siqueira (do IBRE/FGV), José Ricardo Nogueira (UFPE) e Horácio Levy (Universitat Autònoma de Barcelona) mostram que, mesmo tendo uma carga tributária elevada, o Brasil é um país que redistribui pouco (o tema foi tratado nesta coluna, na edição de 28 de novembro). No mesmo estudo, eles analisam propostas de equidade no sistema tributário, apontam equívocos e fazem sugestões.
Em geral, lembram os pesquisadores, o debate tem girado em torno de duas propostas: o aumento do número de alíquotas do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas e a adoção do critério de seletividade na tributação do consumo. "Uma análise mais cuidadosa dessas propostas, no entanto, revela que, no caso do Brasil, as mesmas apresentam baixa eficácia distributiva e podem envolver um alto custo orçamentário e em termos de eficiência econômica. Em particular, tais medidas apresentam uma relação custo-efetividade bastante alta se comparadas com esquemas que combinam uma estrutura tributária mais uniforme com transferências diretas para famílias de baixa renda", advertem Siqueira, Nogueira e Levy.
O trabalho dos três estudiosos tem caráter iconoclasta. Freqüentemente, quando se debate IR de pessoa física no Brasil, a esquerda defende a introdução de novas alíquotas - hoje, são duas (15% e 27,5%). Em tese, um número maior de alíquotas asseguraria maior progressividade - quem ganha menos, paga menos; quem ganha, paga mais. Infelizmente, dada a forte concentração de renda, os baixos salários e, em decorrência disso, o fato de que a base do IR é estreita, a introdução de novas alíquotas poderia ter efeitos regressivos no sistema tributário.
"Cerca de 85% da população economicamente ativa recebe rendimentos inferiores a cinco salários mínimos, o que corresponde, aproximadamente, ao limite de isenção do IR. Conseqüentemente, quase toda a receita do IR de pessoas físicas é arrecadada dos 10% de domicílios de rendas mais altas", diz o estudo. A criação de novas alíquotas beneficiaria um número reduzido de brasileiros, dentre os de maior renda. "A alta concentração da renda também impõe sérias restrições ao aumento de receita através da elevação das alíquotas, pois é sabido que a capacidade de reduzir a renda tributável é maior justamente para aqueles no topo da distribuição."
Quando há alguns anos o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, ao elaborar proposta de reforma tributária para o PFL, propôs a criação de uma alíquota de 10%, única para todas as faixas de renda, além da eliminação da faixa de isenção, a esquerda viu na sugestão um desvario. Na verdade, a medida enfrenta o fato de que a estrutura sócio-econômica brasileira é marcada por desigualdades que não têm como ser corrigidas pela tributação do IR. A atual tabela, com duas alíquotas, limite de isenção elevado (para o padrão de renda da maioria da população) e possibilidade de dedução de despesas com saúde e educação, já é regressiva e beneficia as parcelas mais abonadas da população.

------------ --------- --------- --------- --------- --------- --------- --------- ----- Não se faz justiça fiscal com alíquota progressiva ------------ --------- --------- --------- --------- --------- --------- --------- -----
Siqueira, Nogueira e Levy explicam que a dificuldade de implementar um IR progressivo é comum a países em desenvolvimento. Há, nesses países, um elevado número de empregos nos setores agrícola e informal, um grande número de pequenas empresas, além de distribuição de renda desigual e uma aversão dos indivíduos ao pagamento de impostos. Como isso não se transforma a curto prazo, observam eles, a tendência é que os impostos indiretos continuem a ser por muito tempo ainda os principais instrumentos de arrecadação.
"Essa situação tem levado a propostas que visam atribuir um papel distributivo à tributação do consumo através da utilização de alíquotas reduzidas ou de isenções para bens de consumo básico. Todavia, apesar de potencialmente progressivo, esse tipo de política é mal focalizado, pois pessoas com um nível de renda mais alto são mais beneficiadas em termos absolutos, uma vez que consomem mais de todos os bens e serviços", diz o estudo, que faz um exercício matemático para comprovar essa tese.
Suponha-se que os alimentos fiquem isentos do IVA, imposto que teria alíquota uniforme de 20%. Ao medir o subsídio implícito como proporção do gasto domiciliar, conclui-se que ele seria de 1,3 % para os 10% mais ricos e de 6,3% para os 10% mais pobres. Ocorre que, do total da receita renunciada, os mais ricos captam cerca de 15%, enquanto os mais pobres apenas 6%.
"Cabe notar que cerca de 1/4 da tributação indireta no Brasil incide sobre alimentação, de forma que a implementação de alíquota zero sobre alimentos envolveria perdas orçamentárias substanciais e a necessidade de se adotar alíquotas elevadíssimas (e, portanto, inviáveis) sobre outros itens de consumo", alertam os pesquisadores, lembrando que isenções e alíquotas diferenciadas aumentariam enormemente o custo de administração do IVA.
Os três estudiosos sustentam que a melhor maneira de promover justiça fiscal no Brasil seria adotar um IVA uniforme e combinar isso com transferências diretas ou créditos tributários para famílias de baixa renda. Poderia ser criado um sistema de crédito fiscal que, por exemplo, isentasse do IVA pessoas que têm consumo tributável igual à linha de pobreza. "Supondo uma linha de pobreza de R$ 100,00 por pessoa e um IVA com alíquota padrão de 20%, o valor do crédito seria de R$ 20,00. Isso implica que pessoas com consumo abaixo da linha de pobreza receberiam um subsídio líquido (imposto negativo) igual à diferença entre o valor do crédito e o valor do IVA efetivamente pago", propõem os pesquisadores.
Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.
Valor Econômico

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